Das muitas coisas da minha infância, guardo vivos na memória os sentidos: os gostos, os perfumes, as texturas, as paisagens, os sons... O gosto dos bolinhos de chuva, feitos pela minha mãe nas tardes chuvosas... e do quebra-queixo que vinha com o som da matraca do seu Zé... não tem como esquecer. O delicioso perfume de alfazema de meus pais... e do sabonete Phebo de meus avós queridos e saudosos... Ainda fazem parte de minha memória olfativa. A textura da roupa de seda de minha mãe quando ela me acalentava em seu colo antes de eu dormir... e esta lembrança de aconchego, da pele dela na minha pele... não há como esquecer. O colo da minha mãe sempre será o melhor lugar do mundo e há de me caber enquanto ela aqui estiver.
Dia de domingo era dia de levar a vó Kiki à Igreja... e que obrigação deliciosa! Dia ensolarado e ela com seu vestidinho florido, seu andar sem pressa, e seu cabelo branquinho como os flocos de neve… ela ia a cada passo, me passando seus ensinamentos. Na sua simplicidade, linda, serena, e de olhar compenetrado, era puro amor... ali, presente de corpo e alma. Eu ia registrando cada gesto, cada imagem deste ser que virou estrela do céu… e era esta a imagem que minha retina gravaria para sempre em minha memória.. da avó amorosa que tive.
Mas a minha melhor lembrança de infância é feita de sons. O melhor som de todos: a hora em que o silêncio da escola era quebrado pela sirene indicando que era a hora do recreio. A gritaria das crianças era o som da felicidade, e entre elas, ali estava eu, alegre e saltitante. Não era preciso muito tempo, como num passe de mágica, organizávamos um círculo e iniciávamos o som das cantigas de roda... de mãos dadas, sem receios, sem medos, sem preconceitos: "Se essa rua se essa rua fosse minha, eu mandava eu mandava ladrilhar...". Ah, se essa rua fosse minha... ela teria sentido!
Eu e meus sentidos!
Eu e minha infância!
(Celina Bezerra)
Muito bonito, Celina! Como a minha infância está ligada à sua, me reconheci. 😙